quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A procura da metáfora



                                                            Joaquim Gonzaga Nunes
            Uma das minhas primeiras tentativas de ser escritor, tentativa ainda não concluída, foi a de ser poeta. Imaginei ser a poesia o caminho mais fácil para a minha imortalidade. Nem tanto. Pois a poesia soava-me como o trabalho com versos meio simétricos, rimas emparelhadas e alternadas. Estrofes do mesmo tamanho. Primava pelo soneto. Um tanto de prosa narrativa, somado à pesquisa de outro tanto de vocabulário inusitado, fazia-me um poeta.
            Poeta orgulhoso, que empunhava um chumaço de folhas rabiscadas. Sangue e suor misturado a lágrimas, quase implorando a leitura de algum amigo ou amiga. Aos vinte anos fui tido como intelectual. Vocabulário rico. Onde eu o encontrara? Dicionário quase três anos debaixo do braço. Pesquisa sem preguiça nos intervalos da roça.
            - Você faz uma boa poesia... Será de renome.
            - Quem dera!
            Dezesseis anos de poesia. Aluno universitário. Aulas de Teoria Literária. Choro silenciado.
            - Todo bom poema é um metapoema. A poesia se compõe de metáforas. Não há poemas narrativos...
            -Ham?!
            Ruminei várias noites. Tentei encontrar a metáfora. Ingrata! Não vinha. A metáfora era traiçoeira. Bandida! Me trocou por outro. Certamente, algum poeta mais poeta. Um metapoeta. Um Bilac descrevendo o ourives de Becerril. Augusto dos Anjos “O monstro das carnificinas”. Drummond em sua luta vã com a palavra. Drummond venceu ou foi vencido? Eis a questão.
 Enfim, a descoberta: o pior poeta é o que depois de décadas se descobre não-poeta. Mas, e a imortalidade? Pertencer à Academia Brasileira de Letras? Sentar à mesa que um dia sentou Machado?
Aliás, há um gênero humílimo. A crônica. Machado disse que ela poderia começar com “Está fazendo calor” ou “Parece que vai chover” e dali adentrar pelo caminho da veneranda.
Será? Aqui, também, a metáfora me persegue. Oh, ingrata?! “Trouxeste a chave?”
- Ham?!
A metáfora também é surda. “Trouxeste a chave?”
Sem resposta, parafraseio Bandeira: Sou cronista menor, perdoai!

O bebê Sete-bilhões

                                            Joaquim Gonzaga Nunes
            Os jornais estamparam em primeira página a notícia do nascimento do bebê Sete-bilhões. Já sabemos que é uma menina e se chama Danica, nascida nas Filipinas, lá para os lados da Ásia, lugar que abriga um terço da população mundial. Este número é simbólico, mas incontestável, pois a probabilidade de nascer o bebê Sete-bilhões seria mesmo onde nascem mais bebês. Mesmo assim, quem duvida que o bebê Sete-bilhões não tenha nascido numa tribo indígena do Amazonas ou numa aldeia africana? Porque deve haver tribos ignotas, como deve haver muitos nascimentos não computados e muitas mortes ignoradas, eliminando as chances de o bebê Sete-bilhões não ser este.
            De qualquer forma é mais um bebê para completar esta população que já não era pequena. É mais uma boca para pedir pão. Dividir a migalha que se reparte entre os que já vivem de migalhas.  Fico imaginando que seu nome poderia virar verbete de dicionário. Danica. s.f.  Bebê Sete-bilhões, nascida nas Filipinas. S.m. e f. Que ou o que representa uma quantidade exata de sete bilhões.
            Imagino ainda que esse bebê poderia ter nascido milionário ou bilionário. Se cada habitante do planeta tivesse disponibilizado um centavo de dólar numa conta específica para o bebê, ele nasceria com setenta milhões na poupança. Os habitantes poderiam ser mais generosos, doando a cifra de um dólar, o que daria 7 bilhões. Com uma boa administração nunca passaria fome como bilhões de terráqueos. Seria uma menina nascida em berço de ouro, ou de prata, para ser mais modesto. Viajaria pelo mundo, conheceria lugares longínquos e posaria para fotos, sorrindo à beira-mar. Quando encontrasse alguém na rua, saberia tratar-se de alguém benévolo, que teria compartilhado com a sua vida abastada. Renderia homenagens e sorrindo intimamente o agradeceria.
            Entretanto, o bebê Sete-bilhões trouxe a esperança de que o mundo é populoso, porém muito espaço há nestes rincões da Terra. Que 7 bilhões representam a sorte 1 bilhão de vezes. E mesmo que este bebê não tenha sido recebido com toda pompa que deveria ter sido recebido. Que muitos habitantes da Terra vivendo uma vida de correrias e egoísmos nem saibam de sua existência, ou que já atingimos os sete bilhões de habitantes neste globo poluído, com a perspectiva de faltar água em pouco tempo, além claro de a miséria atingir cerca de um terço da população mundial, vivem sete bilhões de humanos no planeta.
            Por fim, desejo que este bebê simbolize a paz, da qual tanto necessitamos nos momentos de angústia. Que traga a luz nos momentos de desengano a todos aqueles que nasceram, nascem e nascerão anônimos, sem fotos em jornais, sem conforto; às vezes, debaixo de pontes e viadutos, portadores do estigma da desgraça que acompanha um bando de esquecidos pelo restante da população terrestre. Pessoas que não tendo pão nem um lar, perambulam pelos grandes e pequenos centros urbanos em busca de uma migalha de um generoso.

Versões de um quase acidente


                                                        Joaquim Gonzaga Nunes 
                                    

                    
O aluno na sala, olhos esbugalhados, aflito, a voz entrecortada, anunciou:
- Professor, quase que o Gu morreu num acidente.
Gu era um colega da sala. Que sentado perto da porta, não admitiu que quase tivesse morrido atropelado.
- Quando foi o acidente? – quis saber o professor.
O aluno tentou esclarecer.
- Agorinha. Quando a gente vinha pra sala.
Nesse momento, já se sabia que uma moto em alta velocidade havia lixado o motoqueiro na rua de paralelepípedos ásperos e desiguais. O professor, espantado, imaginando a dor terrível do piloto. As escoriações, o sangue derramando, ambulância com sirena pedindo trânsito. O corpo de bombeiros de vermelho, correndo com o homem na maca...
Um terceiro falou:
- Não teve acidente! A moto só rodou na rua, fez uma pirueta e quase que o homem se danou, mas foi só.
O primeiro aluno, ainda assustado, assegurou que houvera o acidente sim.
- Claro que teve o acidente. A moto quase bateu no Gu. Não foi Gu?
- Não ia batendo em mim não. Ela passou e só depois que rodopiou feito um pião. O piloto conseguiu segurar a moto.
- Não. A moto caiu. – Assegurou o menino que principiara a conversa.
- Não caiu. Ela só rodou. Você não viu?
- Quando eu vi foi só a doideira, o piloto segurando a moto tombada na perna. Mas eu tenho certeza que ela caiu.
Foi preciso que o professor interviesse na conversa, pois do contrário a aula não teria continuidade, deixando a certeza de que num átimo de segundo, por minúsculo que o tempo se apresente, você pode não perceber um acontecimento e sua versão ficar truncada.