O bebê Sete-bilhões
Joaquim Gonzaga Nunes
Os jornais
estamparam em primeira página a notícia do nascimento do bebê Sete-bilhões. Já
sabemos que é uma menina e se chama Danica, nascida nas Filipinas, lá para os
lados da Ásia, lugar que abriga um terço da população mundial. Este número é
simbólico, mas incontestável, pois a probabilidade de nascer o bebê Sete-bilhões
seria mesmo onde nascem mais bebês. Mesmo assim, quem duvida que o bebê Sete-bilhões
não tenha nascido numa tribo indígena do Amazonas ou numa aldeia africana? Porque
deve haver tribos ignotas, como deve haver muitos nascimentos não computados e
muitas mortes ignoradas, eliminando as chances de o bebê Sete-bilhões não ser
este.
De qualquer
forma é mais um bebê para completar esta população que já não era pequena. É
mais uma boca para pedir pão. Dividir a migalha que se reparte entre os que já
vivem de migalhas. Fico imaginando que
seu nome poderia virar verbete de dicionário. Danica. s.f. Bebê Sete-bilhões, nascida nas Filipinas. S.m.
e f. Que ou o que representa uma quantidade exata de sete bilhões.
Imagino
ainda que esse bebê poderia ter nascido milionário ou bilionário. Se cada
habitante do planeta tivesse disponibilizado um centavo de dólar numa conta específica
para o bebê, ele nasceria com setenta milhões na poupança. Os habitantes
poderiam ser mais generosos, doando a cifra de um dólar, o que daria 7 bilhões.
Com uma boa administração nunca passaria fome como bilhões de terráqueos. Seria
uma menina nascida em berço de ouro, ou de prata, para ser mais modesto. Viajaria
pelo mundo, conheceria lugares longínquos e posaria para fotos, sorrindo à
beira-mar. Quando encontrasse alguém na rua, saberia tratar-se de alguém
benévolo, que teria compartilhado com a sua vida abastada. Renderia homenagens
e sorrindo intimamente o agradeceria.
Entretanto,
o bebê Sete-bilhões trouxe a esperança de que o mundo é populoso, porém muito
espaço há nestes rincões da Terra. Que 7 bilhões representam a sorte 1 bilhão
de vezes. E mesmo que este bebê não tenha sido recebido com toda pompa que deveria
ter sido recebido. Que muitos habitantes da Terra vivendo uma vida de correrias
e egoísmos nem saibam de sua existência, ou que já atingimos os sete bilhões de
habitantes neste globo poluído, com a perspectiva de faltar água em pouco
tempo, além claro de a miséria atingir cerca de um terço da população mundial,
vivem sete bilhões de humanos no planeta.
Por fim,
desejo que este bebê simbolize a paz, da qual tanto necessitamos nos momentos
de angústia. Que traga a luz nos momentos de desengano a todos aqueles que
nasceram, nascem e nascerão anônimos, sem fotos em jornais, sem conforto; às
vezes, debaixo de pontes e viadutos, portadores do estigma da desgraça que
acompanha um bando de esquecidos pelo restante da população terrestre. Pessoas que
não tendo pão nem um lar, perambulam pelos grandes e pequenos centros urbanos
em busca de uma migalha de um generoso.
A procura da metáfora
Joaquim Gonzaga Nunes
Uma das
minhas primeiras tentativas de ser escritor, tentativa ainda não concluída, foi
a de ser poeta. Imaginei ser a poesia o caminho mais fácil para a minha
imortalidade. Nem tanto. Pois a poesia soava-me como o trabalho com versos meio
simétricos, rimas emparelhadas e alternadas. Estrofes do mesmo tamanho. Primava
pelo soneto. Um tanto de prosa narrativa, somado à pesquisa de outro tanto de
vocabulário inusitado, fazia-me um poeta.
Poeta
orgulhoso, que empunhava um chumaço de folhas rabiscadas. Sangue e suor
misturado a lágrimas, quase implorando a leitura de algum amigo ou amiga. Aos
vinte anos fui tido como intelectual. Vocabulário rico. Onde eu o encontrara?
Dicionário quase três anos debaixo do braço. Pesquisa sem preguiça nos
intervalos da roça.
- Você faz
uma boa poesia... Será de renome.
- Quem dera!
Dezesseis
anos de poesia. Aluno universitário. Aulas de Teoria Literária. Choro
silenciado.
- Todo bom
poema é um metapoema. A poesia se compõe de metáforas. Não há poemas
narrativos...
-Ham?!
Ruminei
várias noites. Tentei encontrar a metáfora. Ingrata! Não vinha. A metáfora era
traiçoeira. Bandida! Me trocou por outro. Certamente, algum poeta mais poeta.
Um metapoeta. Um Bilac descrevendo o ourives de Becerril. Augusto dos Anjos “O
monstro das carnificinas”. Drummond em sua luta vã com a palavra. Drummond
venceu ou foi vencido? Eis a questão.
Enfim, a descoberta: o pior poeta é o que
depois de décadas se descobre não-poeta. Mas, e a imortalidade? Pertencer à
Academia Brasileira de Letras? Sentar à mesa que um dia sentou Machado?
Aliás, há um gênero humílimo. A
crônica. Machado disse que ela poderia começar com “Está fazendo calor” ou
“Parece que vai chover” e dali adentrar pelo caminho da veneranda.
Será? Aqui, também, a metáfora me
persegue. Oh, ingrata?! “Trouxeste a chave?”
- Ham?!
A metáfora também é surda. “Trouxeste
a chave?”
Sem resposta, parafraseio Bandeira:
Sou cronista menor, perdoai!
2 comentários:
Linda crônica amigo professor/poeta!
Aguardo outras hein, já virei fã.
Grande Joaquim. Leitura fantasticamente sociológica nessa crônica do bebê. Às vezes fico me perguntando para onde o capitalismo está nos levando. Somos (enquanto espécie humana ocidentalizada)cada vez mais individualista (desde o Renascimento), cada vez mais enxergamos somente o nosso próprio nariz. Temos uma crise nos meios de comunicação, a qual só se importada com o dinheiro. A vida humana se tornou desprezível, sobretudo para àqueles que se enquadram como "zeros econômicos". No máximo usam de caridade para se autopromoverem. Se o socialismo privou-nos da liberdade de ir e vir, o que dizer do capitalismo que destrói a nossa casa (Planeta Terra) e condenam milhões à miséria?
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